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#FestivalMoinhoVivo - A força do hip-hop que move o Moinho



Nelson Triunfo, o pai do hip-hop no Brasil, prestigiando o evento - foto: Márcio Salata
#FestivalMoinhoVivo arrecada mais de 800 quilos de alimentos e recebe três mil pessoas durante o domingo


“Sou príncipe do gueto e meu castelo é de madeira”. Não poderiam ser mais apropriados os versos do grupo A Família, cantados pelo músico Crônica Mendes, que ontem (22), durante o show, fez a multidão vibrar na Favela do Moinho, no centro de São Paulo.
Os shows foram mais uma ação na favela que abriga milhares de famílias em condições precárias e foi vítima de um incêndio no último dia 23 de dezembro. 
A iniciativa por parte do Movimento Hip-Hop Revolucionário (MH²R), em parceria com moradores, comunicadores e militantes, resultou numa das mais bonitas cenas já vistas no país: coletividade e ajuda. 

Intervenção artística, social, cultural e humana. Assim pode ser resumido – se é que existe um resumo de tudo que aconteceu na Favela do Moinho no último domingo. Realizar a cobertura do evento é bem mais do que fotografar, estar atenta a cada detalhe, gravar ou anotar entrevistas importantes ou reportar, no minuto seguinte, o que acabou de acontecer. É entender o real significado da profissão, do que é ser cidadão e estar inserido no mundo. É mais que militar no contexto do hip-hop ou da literatura. É ajudar a construir, escrever, reportar e eternizar a nossa história, marcada por muitas afrontas, lutas e derrotas, mas, mesmo diante da sensação de impotência, sempre em busca da vitória.
O clima é o mesmo do início da década de 1980. O hip-hop pelo social, por quem precisa, unido. Confraternização, humanização e a lembrança de que a Favela do Moinho existe não apenas num domingo que teve sol, chuva, frio e calor, mas em todos os dias.
Camas improvisadas e miséria latente. Pessoas que cruzam, a todo momento, a linha do trem e se arriscam, não apenas nisso, mas numa sobrevivência que é toda improvisada: desde os barracos – que podem desabar, ser incendiados ou demolidos – à resistência cotidiana, de enfrentar, mesmo com toda dor, todas as cores da vida. Este é apenas um dos cenários das famílias que residem na favela, em sua simplicidade, em sua sofisticação, em todo seu universo, que recebe de braços abertos um grande evento sem saber ao certo no que isso pode ser bom, mas que coloca um sem número de crianças, homens e mulheres empunhado sacos de lixo para recolher as latinhas e pedaços de plástico descartados.
“É um jeito de fazer um dinheiro durante a semana”, exclama uma moradora, que foge da entrevista, mas sorri ao encontrar duas latinhas vazias e jogá-las dentro do saco que carrega e que rapidamente se enche.
Com mais de 40 grupos de rap, personalidades, militantes e admiradores, o #FestivalMoinhoVivorecebeu cerca de 3,3 mil pessoas e arrecadou mais de 850 quilos de alimentos, o suficiente para lotar uma sala de pouco mais de 25 metros quadrados.
Além do entretenimento, o evento apresentou também o lançamento da Associação Cultural e Reciclagem, que tem como objetivo garantir o usucapião do espaço, já ganho em batalha judicial pelos moradores. 

Momento poético
“Victor virou ladrão
Hugo Salafráfrio
Um roubava por pão
O outro pra reforçar o salário”

Com a história de Victor e Hugo, o poeta e criador daCooperifa Sérgio Vaz declamou as diferenças sociais com a poesia “Os Miseráveis”, num momento único durante o evento, onde, mesmo debaixo da chuva, o público e os moradores de uma das maiores favelas de São Paulo pararam para comungar a poesia.
Na manhã seguinte ao evento, postou na rede social Twitter: “Ontem na favela do Moinho: um dos maiores exemplos de música e cidadania dos últimos tempos. Juntos somos fortes”.

E pensando nessa coletividade e em ser artista cidadão, como ele mesmo se autodenomina, que na próxima quarta-feira (25) o Sarau da Cooperifa acontece em prol do Moinho e alimentos e roupas também serão arrecadados.
Mas ele não é o único. O escritor, agitador cultural e jornalista Alessandro Buzo, que também esteve no evento para uma cobertura especial, postou em seu blog, ainda na noite do evento. “Hoje renovei minhas esperanças na humanidade e ainda me orgulhei do rap, do hip-hop (...) O Moinho está vivo e o povo não quer só moradia, reconstruir seus barracos de madeira. Eles querem ser tratados como cidadãos, querem uma moradia digna, qualidade de vida. Fiquei feliz de ver a favela cheia de gente do bem e a comunidade junto. Esse é o hip-hop que eu acredito”,coloca.
O movimento “Mães de Maio” esteve no evento, com a venda de camisetas, livros e a presença das mães que foram vítimas do Estado, ao perderem seus filhos de forma truculenta.
O escritor e militante cultural Toni C., autor do recém-lançado romance “O Hip-Hop Está Morto”, também marcou presença. Numa mesa improvisada, ambos comercializaram seus livros e toda renda foi revertida ao evento.
O rapper, escritor e geógrafo Renan Inquéritotambém esteve no evento e, além da apresentação musical com o grupo, já acostumado a visitar locais assim e realizar campanhas, como “Um Brinde”, de combate ao alcoolismo, e #PoucasPalavras, de incentivo à leitura, fez questão de comentar a iniciativa. “Acho muito importante que festivais assim aconteçam. Em primeiro lugar, por conta da ação solidária que é parte do hip-hop. Em segundo lugar, porque é uma maneira de dar voz a uma comunidade que não é vista ou ouvida. Quando os Djs entraram com suas pick-ups e os MCs com seus microfones foi a chance de chamar atenção para o local e para os problemas das pessoas que vivem ali.  Nosso objetivo é dar uma voz a estas pessoas que são vítimas da especulação imobiliária, que incomodam, mas, como a analogia dentro do rap, são como fênix e ressurgem das cinzas. Neste caso, literalmente, por conta do incêndio que sofreram”, pontua. 

Reciclagem política
“Reciclem os políticos”. “O Moinho Vivo”. Estas são algumas das poesias do escritor das ruas Mundano, que acompanha as edições do evento e colore os barracos com suas cores, mensagens de proteste e vida. Também, logo pela manhã, postou na rede social. “Quem foi ontem na Favela do Moinho aí? To arrepiado até agora....coisa linda”.
“Até 2010, nem água os moradores do Moinho tinham. Isso em pleno centro da terceira maior cidade do mundo e num país privilegiado em relação à água. Isso mostra o descaso de décadas dos governantes, mas o pior foi ver gastarem R$ 3,5 milhões para implodir um prédio tão sólido que não conseguiram derrubar na primeira implosão. Com essa verba dava para reformar o prédio e transformar num centro cultural para abrigar shows maravilhosos, como o de ontem”, acredita o graffiteiro.
Para quem foi prestigiar, como o diretor de videoclipes de rap Vras 77, o momento foi de felicidade e celebração. “Ontem, eu fiquei feliz com a galera do rap, que chegou e representou com as doações. Isso que é o hip-hop de verdade: um ajudando o outro que precisa”, avalia.
Para o jornalista e fotógrafo Diego Menegaci, o mais importante foi a demonstração de união. “A gente sabe que a vontade do povo independe da vontade de um prefeito, de um governador, de um presidente. O único canal de comunicação entre o povo e os políticos é o voto, ou seja, é muito limitado. Portanto, essa união serve para movimentar uma população, neste caso, excluída de várias necessidades básicas. A luta de ontem não falava apenas de moradia, mas de educação, saúde, saneamento básico. Tudo isso permite que este sonho se mantenha vivo e é por isso que o hip-hop é uma das organizações mais importantes do Brasil. Hoje a ajuda pode chegar tarde, mas não falha, afinal, são 500 anos de luta, já está muito, muuuiiitttooo atrasado”, enfatiza.
O jornalista Guilherme Bryan, que nunca havia ido ao Moinho ou participado de ações diretas do hip-hop neste sentido, comenta a importância da ação. “Eu achei importantíssima a ação, primeiro para mostrar à sociedade o quanto ela ainda é preconceituosa e desconhecedora das lutas que realmente valem a pena. As classes média e média alta ainda veem tudo pelo filtro das agências de notícia. Depois, enquanto se dava mais uma prova de intransigência e truculência em São José dos Campos, o povo do hip-hop paulistano mostrava o quanto é possível fazer uma festa organizada, animada e contagiante, sem precisar de muito. E o mais óbvio é que foi mais uma prova da força da união comunitária em prol de seus irmãos e iguais, né?”, resume.
Força feminina
E a representatividade feminina entrou em cena com o show de Tiely Queen, Amanda Negrassim e a discotecagem de Dj Simmone e Dj Miria Alves. O movimento Hip-Hop Mulher se fez presente, tanto em manifestações artísticas como no ativismo. Para a coordenadora, que além de cantar, contribuiu e militou, foi algo importante. “Eu gostei muito do que vi. O Moinho recebeu o hip-hop de braços abertos. A galera escutou o chamado e veio. Mesmo com chuva ou sol rachando, o pessoal chegou e trouxe o alimento. Me senti como nos eventos que o hip-hop fazia há 15 anos nas quebradas. Isso sim é ação do hip-hop. Me senti em casa cantando pras minhas e pros meus”, declara.
Quem comemora são as moradoras da favela, que mesmo pequenas, sonham em subir ao palco e também empunhar o microfone. “Eu também quero ser cantora, de rap”, diz Jaqueline Dias, 9 anos.
Acompanhada pela amiga, elas dividem-se entre os shows que acontecem no palco, os brinquedos infantis num playground já bastante gasto e a rotina quebrada na favela, com tanta atenção voltada ao povo. “Eu gosto quando é assim, quando as pessoas vêm aqui e ajudam a favela com comida, água e ainda tem os shows”, acrescenta Mariana, antes de sair correndo entre as mais de três mil pessoas presentes.
E a militância feminina não para por aí. A cantoraDeDeusMC, que tem pouco mais de um ano de carreira, mas muita disposição para apoiar ações sociais e já esteve no Moinho em outras oportunidades, elogia o evento. “Muito bom ver que o hip-hop se organiza em prol de uma comunidade. Vi nos rostos de felicidade daquelas pessoas o motivo pelo qual existimos e criamos nossa arte. É por eles e tudo tem um sentido mais que especial”, dispara.
A graffiteira Fernanda Sunega se armou de latinhas em spray e coloriu uma casa, que, segundo ela, foi uma adoção da família. “Fico muito feliz em ver acontecer e poder ajudar, através do Hip-Hop Mulher, estas famílias. Trouxe minhas latinhas e um pouco de cor para o Moinho”, conta.
A cantora Yzalú, que inova mesclando rap com voz e violão, e é uma das precursoras do movimento da novaMúsica Periférica Brasileira (MPB), também fez seu show, mesmo debaixo de chuva e comenta: “Gosto de estar em ações assim. Isso me alimenta, alimenta a cultura e o povo”
alimenta a cultura e o povo”.
Entenda o caso
Há 30 anos, a ocupação da empresa Moinho Santa Cruz deflagrava o surgimento de uma das maiores favelas da cidade de São Paulo. A comunidade, originalmente formada por catadores de materiais recicláveis, reunia ali um exemplo de preservação ao meio ambiente na cinzenta metrópole, gerando empregos e renda. 
No entanto, após manifestações e eventos terem conseguido levar água para os barracos, em dezembro do último ano, o incêndio que atingiu toda favela deixou pelo menos 380 famílias desabrigadas. Muitas vítimas ainda permanecem sem as mínimas condições de sobrevivência – higiene, comida e abrigo.
De acordo com Bob Controvérsia, um dos organizadores do evento, os moradores do Moinho atentam para a morte de mais de 40 pessoas durante o incêndio. Fato não noticiado. “A mídia disse que foram apenas duas. A pressa, nesse caso, tem seu objetivo, que é acelerar a remoção da população, ocultar as provas de que existem várias irregularidades e que o tempo daquela população em uma região extremamente valorizada se esgotou”, diz.
A fala dele é completada pelo morador Yuri Pacheco, 27 anos. “A prefeitura quer nos tirar daqui porque estamos no centro de São Paulo. Existe especulação imobiliária. Querem nosso terreno numa região que é muito valorizada. Querem nos varrer daqui e um incêndio criminoso foi a maneira encontrada para dizimar muitas famílias e nos forçarem a encontrar outro local, no entanto, vamos resistir e permanecer”,informa.
Pensando em mudar este cenário, os militantes culturais Milton Sales, Jackson e Amaral Família DuCorre organizaram o evento, em parceria com MH²R e a jornalista Yara Morais.
Para Milton Sales, o evento foi uma resposta do que o hip-hop e o ativismo podem dar à prefeitura da cidade de São Paulo. “Estão tentando devastar esta comunidade e tirar estas famílias daqui à força. Nós estamos brigando pelos direitos delas”, enfatizou numa de suas falas para o público presente.
Já para Bob Controvérsia, o resumo do evento é um só. “Resultado muito bom e surpreendente. Sem palavras para toda ação e todos que contribuíram para que ela acontecesse”, sintetiza.

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