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#ReferênciAna - o que nos dizem as linhas de Esú, álbum de Baco Exu do Blues

Está no ar mais um #ReferênciAna, assim como explica o nome, nessa seção do NP, você vai encontrar algumas de minhas percepções e discussões sobre referências históricas e sociais utilizadas em letras de músicas. 


Segundo a descrição do álbum no Genius, Esú traz a história de um personagem em transição, que passa por diversas provações, da depressão ao gozo. Autoestima, individualidade, onipotência, luxúria, sincretismo e empoderamento negro, são temas recorrentes no álbum. A produção musical do disco ficou à cargo de TAS, no Cremenow Studio e a criação dos beats por Nansy Silvvs, exceto a faixa Intro, que tem a base feita por Scooby Mauricio e scratches de KL Jay (Racionais MC’s). O resultado dessa junção é apresentada em 10 faixas que proporcionam uma viagem sinestésica, passando pelas ladeiras de Olinda, com o batuque do Maracatu, pelo carnaval de rua com o choro da guitarra baiana, até as nossas matrizes africanas, com cânticos em Iorubá e batuques dos atabaques do candomblé



Vou discutir sobre as referências com cunho histórico e social que eu percebi utilizadas nos versos do rapper, lembrando que são minhas percepções como ouvinte, pode não ser a intenção real do rapper. Vocês podem conferir as letras completas do sons aqui, enquanto ouvem aos sons:



A introdução do álbum já chega cheia de referências. O recorte inicial da voz de Paulo Roberto presente na coleção Obaluayê! da Orquestra Afro-Brasileira, não serão analisadas a fundo, mas basicamente fazem a ligação entre os contextos da África, Brasil e o ritmo que liga os corpos negros daqui e de lá. Confira o som na íntegra e se emocione:




A intro continua, além dos scratches do lendário DJ KL Jay, começam algumas linhas interessantes de Baco.

Somos argila do divino mangue,
Suor e sangue,
Carne e agonia,
Sangue quente, noite fria

Os versos acima na minha visão vão na direção do conceito da capa do álbum, fazendo analogias com passagens cristãs para reafirmar uma questão de ancestralidade negra. O fato de Deus ter criado o homem do pó da terra, ou seja, a argila, é evidenciado e em seguida colocada a questão do divino mangue com referência a África, sendo o berço da civilização humana. Em seguida as palavras colocadas parecem caracterizar a vida do povo negro escravizado. Suor e sangue, carne e agonia, sangue quente e noite fria, parecem evidenciar as vivências violentas dos africanos trazidos escravizados ao Brasil.


E essa altura do enredo
A Asa Branca dança no lago do Cisne Negro
Pretos de terno sem ser no emprego
Meus pretos de terno em festas que não sejam enterros

A contraposição das palavras Branca e Negro, seguida pelos dizeres de pretos de terno sem ser no emprego, nos trazem a sensação de uma "conquista" de espaços pelos negros e negras, ocupando lugares não pensados para nós. 

A sequência da introdução trazem os scratches do DJ KL Jay, com um ponto de Exu, a voz de Baco, a chamada da Rádio Libertadora e a voz de mano Brown em Marighella


O segundo som é Abre caminho. Além do ponte feita com a analogia do ponto de Exu que abre caminhos, e a questão de abrirem caminho na cena pro Baco passar com seu som, tem algumas linhas que merecem atenção.


Justiça é cega vê tudo negro
Por isso todo culpado é negro
Todo morto é negro
Vocês são cegos
Meu som é o braile do gueto

Uma das linhas mais fortes que achei. O início, de crítica a postura da justiça em seus julgamentos. Baco contrapõe a questão da "deficiência visual" ao não enxergar QUEM está sendo julgado, mas o porque, que a justiça deveria ter e a "justiça cega" que temos, que é tão "cega" que só enxerga negro. Fazendo menção ao sistema judiciário racista que temos. Além da sequência de denuncias a violência contra o povo negro, Baco continua a referência a deficiência visual da cegueira, quando diz que seu som é o braile do gueto. Braile é o sistema de escrita utilizado por pessoas cegas, sendo assim, o rap seria a forma de levar a informação, conhecimento a cegueira de conteúdo que chega aos guetos. 
O som segue evidenciando artistas negros, além do refrão mencionando a música Da lama ao caos do grupo Nação Zumbi, Baco referencia Tim Maia e James Brown.




Seguindo a sequência dos sons, Oração a vitória traz uma linda saudação a Esú. A blogueira do Rap Nacional Download, Laísa Gabriela fez um artigo maravilhoso dedicado a introdução desse som, feita por Xarope MC, que vocês podem conferir aqui.


"Contei com a ajuda do meu pai, Rodrigo Siqueira, para fazer a tradução. Nessa introdução, Xarope faz uma saudação ao Orixá Èṣù ao dizer “Laróyè” e pede a benção “Mo júbà”. Pede calma na caminhada e que os inimigos sejam pequenos diante de seu caminho, pede a Èṣù que abra e dê caminhos, que traga prosperidade, pede “Àse” (força, energia). Confirma isso ao dizer: “Àse oooooo”. Pede também que a união permaneça, sempre “Ajò” e nunca “Ejò” (fofoca). Novamente, pede bençãos e agradece ao “Bàbá” (pai), Èṣù." - Laísa Gabriela RND

Continuando a letra, além das referências as figuras cristãs como Maria Madalena, Adão e Eva, a linha que faz alusão aos clubes de futebol baianos Bahia e Vitória chamam a atenção. 

Eu sou Bahia
Mas vermelho e preto são as cores da pista

Baco segue denunciando a violência que atinge o povo preto. Apesar de torcer para o time rival, o Bahia, as pistas seguem sendo pintadas de vermelho e preto (cores do time rival Vitória) e também cores que remetem aos corpos negros cobertos de sangue, além de remeter as cores de Esú na religião. 

A música da sequência, En tu mira, que teve o clipe lançado antes do álbum, tem muito a dizer.


Se você tem nome de Deus, por que erra tanto?




Baco, que também dá nome ao artista, é o nome do deus romano do vinho, da embriaguez e dos excessos. Deus na religião cristã é não falho, porém os deuses ocidentais em geral são dotados de características que fogem ao sentido "moral" da sociedade. 

O Deus que habita em mim, eu tô libertando

Baco faz referência ao dizer “o Deus que habita em mim, saúda o Deus que habita em você”, de forma que se liberta no seu disco, colocando tudo de seu interior de forma sincera no álbum. 


A sinceridade fica evidente no restante das linhas, onde Baco evidencia a pressão para que produza conteúdo, sua música não pode parar, mesmo que ele enfrente problemas psicológicos para dar conta da cobrança excessiva para com ele. 

A música que dá título ao álbum é a que melhor resume todas as ideias contidas. Esú é um misto de auto afirmação e auto conhecimento.


Metade homem, metade Deus
E os dois sentem medo de mim
Sinto que o mundo tem medo de mim


Primeiramente é interessante colocar, quem é Exu para as religiões de matriz africana e porque gera tanto desconforto para algumas pessoas?




Bom, vamos lá, com muito cuidado pra não derrubar feiúra nas idéias. Apesar de estar inserida numa religião de matriz africana, sempre tenho muito respeito e cuidado para tratar do assunto, já que somos eternos aprendizes da religião. Esú é o orixá mensageiro, da comunicação. É Ele quem liga o mundo dos orixás (Orun) ao mundo humano (Aiye). Sem Esú não é possível comunicação com o mundo espiritual. É comum que se diga que Esú é o mais humano dos orixás, por suas características. A demonização das figuras africanas é um traço marcante na chegada dos europeus à África. A demonização de Esú começou na África, quando os europeus se depararam com o culto de orixás e voduns, e atribuíram a algo demoníaco. Dito isso, é fácil notar o porque Baco se refere aos dois mundos e seus medos, se referindo á ele próprio, Exu.


A próxima música, Capitães de areia é inspirada pelo livro que a deu nome. Capitães de areia, livro do baiano Jorge Amado, é um drama que retrata a vida de um grupo de menores abandonados, que crescem nas ruas da cidade de Salvador ,vivendo em um trapiche, roubando para sobreviver. Baco traça o paralelo entre a história do clássico e sua vida.
Carrego comigo coragem de Erê
Carrego comigo coragem, dinheiro e bala
Palavras de Pedro Bala
A palavra "erê" vem do iorubá e significa 'brincar'. Os erês são entidades apresentadas como crianças, que são a expressão da alegria, da espontaneidde, pureza e inocencia. O rapper reafirma a coragem de criança que carrega consigo, em seguida menciona Pedro Bala, personagem líder do livro Capitães de areia.

Nas próximas linhas, o rapper traz ideias contrárias ao cotidiano social, denunciando algumas violências primeiramente e em segundo plano a hipocrisia dos chamados "cidadãos de bem", conceito fortemente ligado aos cristãos.


Um homofóbico xenófobo apanhando de
Um gay nordestino
Eu tô rindo
Vendo uma mãe solteira espancando o PM
Que matou seu filho
Me olho no espelho, vejo caos sorrindo
...
Onde cidadãos de bem queimam terreiros
E espancam mulheres, odeiam os pretos
Odeiam o gueto, matam por dinheiro


Na faixa Senhor do Bonfim, Baco menciona a manifestação popular da lavagem das escadarias da igreja Nosso Senhor do Bonfim para evidenciar a "purificação" que ele faz na cena.
Fazendo a lavagem da cena
Eu sou o Senhor do Bonfim


Pulando pra última música do álbum, Imortais e fatais nos trazem a imagem de diversas personalidades negras e suas características.
Bom, é isso, minhas percepções como ouvinte de algumas referências utilizadas, pode não condizer com a intenção do autor. Deixem sugestões de músicas nos comentários, e críticas também.

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2 Comentários

  1. Gostaria de acrescentar que no verso "Carrego comigo coragem, dinheiro e bala" acredito que ele tenha feito uma referência à faixa B"por uma questão de classe" do Nação Zumbi, já que o álbum veio carregado de referências ao Manguebeat pernambucano.

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