Dica de Livro - 'Desde que o Samba é Samba': o novo livro de Paulo Lins, autor de 'Cidade de Deus'
Por Cintia Lopes
Pouca gente sabe, mas Paulo Lins, conhecido pela autoria do livro Cidade de Deus e que inspirou o filme homônimo dirigido por Fernando Meirelles, é o que se pode chamar de folião nato.
Desde criança, quando ainda morava no Estácio, considerado o berço do
samba, na zona central do Rio de Janeiro, a trilha sonora dentro de casa
não poderia ser outra.
Além de ouvir os sambas-enredo das escolas, Paulo tinha o costume de
anotar tudo em cadernetas. Nomes de compositores, títulos de sambas,
temas de músicas... Nada escapava ao olhar atento do garoto, mesmo
depois que se mudou para a Cidade de Deus.
O faro de pesquisador do antropólogo, hoje com 53 anos, já indicava
que a relação com o samba não se limitava apenas ao gosto musical.
A paixão pelo gênero também o acompanhou durante a faculdade. Tanto que ele não teve dúvidas em escolher uma das matérias eletivas sobre cultura popular brasileira.
O ano era 1986. No final do curso, recebeu um 7,5 e ainda ouviu do
professor João Batista Vargas o seguinte comentário: “De você, eu
esperava um trabalho melhor...”, recorda.
Até que, quatro anos atrás, Paulo retomou o projeto do livro Desde que o Samba é Samba,
lançado agora pela editora Planeta, e voltou a procurar pelo professor
para apresentar o “trabalho final reformulado”. “Acho que ele finalmente
aprovou. Tanto que assinou até a orelha do livro”, lembra, entre risos.
Em Desde que o Samba é Samba, Lins traça um panorama sobre a origem do samba entre os anos 1928 e 1931 e o surgimento da primeira escola de samba brasileira, a Deixa Falar. “Tentei reunir também no livro os compositores que não têm o prestígio que mereciam ter. Também é interessante verificar como a umbanda e o samba nasceram juntos e no mesmo local, na Praça Onze, no Estácio”, explica.
Torcedor inveterado da escola de samba Estácio de Sá, Paulo descobriu aos 15 anos que também levava jeito para compositor.
Em parceria com o amigo Etelvino, compôs o samba-enredo vencedor sobre
a Transamazônica, mas não conseguiu assistir ao desfile do Bloco
Estrela de Jacarepaguá. “Minha mãe, dona Amélia, ficou irada. Não
deixava eu desfilar e me proibiu de sair. Tive que me contentar em ouvir
o desfile de dentro de casa. Ainda assim, foi emocionante escutar os
foliões cantando o meu samba”, recorda.
Dona Amélia só começou a dar um alívio depois que Paulo completou 18 anos e foi servir ao exército. A partir daí, o autor, que também é poeta e professor de Literatura, não deixou de desfilar mais em nenhum ano. “Carnaval é minha paixão, e o samba faz parte da minha trajetória, da minha formação. Todo mundo tem um samba inesquecível... A Festa do Sírio de Nazaré , de 1975, do Estácio, é a perfeição pra mim”, admite.
Apesar dos temas distintos, o processo de pesquisa em Desde que o Samba é Samba foi semelhante ao realizado em Cidade de Deus, lançado em 1997 e alçado ao posto de best-seller depois da adaptação para o cinema, em 2002.
Traduzido em diversos idiomas, o livro foi lançado em mais de 20
países e pode ser encontrado inclusive nas prateleiras de livrarias da
Estônia e da Coreia, por exemplo. “Tenho plena consciência de que o
filme divulgou o livro no mundo inteiro. Mas o filme não me trouxe
dinheiro...”, alega, antes de completar.
“Tinha direito a 5% do lucro do filme, mas até hoje não recebi da O2
(produtora de Fernando Meirelles) e da Miramax (distribuidora)”,
garante.
Lins explica que recebeu apenas pela venda dos direitos do livro para o
cinema, o equivalente a 80 mil reais. “Resolvi deixar pra lá. Vai ver
que o filme não deu lucro mesmo, né?”, questiona, com um sorriso
sarcástico.
Ainda assim, Lins faz questão de elogiar o filme dirigido por Fernando Meirelles e que teve o roteiro assinado em parceria com Braulio Mantovani. “Quando vi o elenco, saquei na hora que seria sucesso. É claro que não imaginava que teria esse alcance mundial. Mas o fato de usar atores da comunidade, que vivenciavam a realidade do tráfico, e promover as oficinas foram determinantes para esse trabalho”, pontua.
Lins também faz questão de não perder contato com o lugar que ajudou a projetar mundialmente.
Desde que saiu da Cidade de Deus aos 18 anos para ingressar na
faculdade, o escritor conserva o hábito de frequentar o bairro na zona
oeste do Rio de Janeiro.
“Em datas importantes, como Natal e aniversários dos parentes, eu
sempre apareço por lá. Mas muitos dos meus amigos também já casaram e
se mudaram”, explica ele, que há dois anos mora na capital paulistana.
Paralelamente às funções de professor e poeta, Lins é contratado da Rede Globo e, atualmente, trabalha em parceria com o diretor Luiz Fernando Carvalho na concepção da série intitulada 'Suburbia', com previsão de estreia para o fim do ano. |
Paulo Lins
|
“É um projeto que o Luiz tem há mais de 20 anos e trata da história de uma mulher que vai viver em Madureira e se agarra aos movimentos culturais locais, como o funk e o samba”, antecipa.
Essa não será a estreia na tevê. Antes disso, Lins já havia escrito
episódios para o seriado 'Cidade dos Homens', exibido entre 2002 e 2005,
que mostrava o dia a dia da dupla Acerola e Laranjinha, respectivamente
Douglas Silva e Darlan Cunha.
