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Intolerância religiosa. E o que o Rap tem a ver com isso?


Deve-se considerar caminhos para combater a intolerância, seja no meio educativo, religioso ou midiático, como a criação de um mecanismo eficiente de denúncia contra a violação a fé. Vendo no Hip Hop, esse nosso mecanismo, o Noticiário Periférico convidou alguns amigos e amigas do blog para responder algumas questões sobre o tema.


Uma característica comum que une os racistas brasileiros "de bem", está relacionada aos ataques, sejam implícitos, ou até físicos aos adeptos das religiões de matriz africana. 

A soma de problemas históricos que interferem diretamente na cultura africana no país, e a inexistência de um sistema eficiente para punição desses casos, faz com que cada vez mais os ataques à liberdade de culto sejam reproduzidos nos diversos cantos do país. Sendo assim, a preoucupação de quem é adepto dessas religiões só aumenta, já que todo dia vemos um caso diferente de ataque com base no preconceito racial e cultural. 

O movimento Hip Hop é concebido como um movimento de resistência, e principalmente de denúncia contra a figura do opressor. Sim, existem vertentes que não pautam nada disso em suas letras, mas implicitamente levam consigo, o movimento em si leva esse pilar junto dele, ou pelo menos deveria.
No último mês, um conhecido rapper fez um vídeo abraçando uma ideia que gerou um desconforto muito grande por parte de quem luta contra esse tipo de discurso de ódio contra as religiões de matriz africana. Douglas, ex-Realidade Cruel, fez uma live no Facebook comentando os episódios de ataques a templos de Umbanda e Candomblé que aconteceram no Rio de Janeiro. Ao comentar os fatos, deu algumas declarações problemáticas, dando a entender que as pessoas que fizeram aquilo de alguma forma foram motivadas porque "conheciam a palavra de deus". Sem se alongar mais no assunto, mas esses comentários serviram para evidenciar muitas opiniões no meio do Rap. 




O Noticiário Periférico bateu um papo com pessoas que tem uma visãozinha baseada em vivência pra passar sobre esse assunto, em breve teremos as entrevistas na íntegra de cada um, por enquanto segue um aperitivo do papo que tivemos com Jair Cortecertu, Lucas D'Ogum, Souto MC, o grupo Omnira, Lázaro (Opanijé), Anarka e Thiago Elniño.



Diante então dessa onda de ataques explícitos de intolerância religiosa com as religiões de matriz africana. E sabendo que quem fica em cima do muro, toma pedra dos dois lados. O Noticiário Periférico quer saber qual a importância do pessoal do Rap se posicionar?

Jair Cortecertu
Para Jair Cortecertu, nós sabemos que nenhum artista é obrigado a marcar posição diante determinadas cenas de desigualdade, mas também sabemos que, ao escolher ficar distante do que está rolando nestes casos de racismo religioso, todo artista está tomando uma posição que não é nada neutra. Essa atitude é um "foda-se" para um processo racista que invade todos os âmbitos da vida dos negros brasileiros. As religiões de matriz africana têm sido exemplo de resistência durante anos e, mesmo com “pessoas descoladas” que estão no seio da umbanda e do candomblé, são o negros e toda sua ancestralidade que estão na mira da violência promovida no passado por policiais e hoje praticada por traficantes. Muitos citam a bíblia para falar que estes traficantes não representam os cristãos e são “falsos profetas”. Até concordo com essa afirmação, mas sabemos que estes ensinamentos de intolerância e racistas vieram, num primeiro momento, da intransigências dos ”verdadeiros profetas”. Tudo isso via culto, rádio, TV, site e redes sociais.

Omnira
Para o grupo Omnira, é importante as pessoas envolvidas no Hip Hop se posicionarem contra esse tipo de intolerância primeiro pelo fato da própria cultura ser um movimento questionador e de protesto contra qualquer tipo de intolerância, e segundo que por trás da intolerância em relação a religiões de matriz africana se esconde o racismo por serem religiões influências e/ou disseminadas por negros e negras e com isso o Hip Hop não pode compactuar

De maneira mais enfática Anarka lembra que o Hip Hop é de matriz africana, as batidas, a ideologia e etc. As mesmas forças que regem nossos terreiros, regem o movimento, e ela acha muito contraditório fazer parte de uma cultura preta e não defendê-la, não estudá-la, não respeitá-la. Eu acho importante o posicionamento das e dos rappers diante de tanto ódio e intolerância com a nossa espiritualidade, porque essa é uma questão social, racial pra ser mais específica, e o Hip Hop é uma luta social anti racista. Ainda que as pessoas não tenham fé ou cultuem outras religiões que não vêm de África, isso precisa ser discutido, porque não é só pela retaliação da nossa crença, é sobre racismo.

 Anarka
Com esse aumento nas denúncias de casos atrelados ao racismo religioso. O Noticiário Periférico quis saber se alguém tem alguma explicação sobre essa onda conservadora que tomou conta do Rap e consequentemente das quebradas Brasil a fora. 

Lucas D'Ogum
Para Lucas D'Ogum, a explicação é complexa, a história pro povo preto é cheio de buracos, de vazios. A sociedade brasileira foi formado em cima do estupro, da escravidão e da catequização tanto dos povos nativos como dos povos que foram roubados de suas terras. O que acontece hoje é efeito de algo que transcende o nosso imaginário, ainda estamos juntando os retalhos para poder entender


Souto MC lembra a relação da quebrada com a manipulação religiosa. Para ela isso vem de muito tempo, muito da questão da honra do trabalho, de serem pessoas corretas e de bem e de fato isso tem muito mérito, o lance é quando o patrão se apodera desse discurso e o distorce fazendo com que tudo seja levado a ferro e fogo, fazendo com que qualquer coisa que seja diferente do cristão, do modelo de trabalho que conhecemos, das questões de estética, sexualidade, gênero enfim; seja hostilizado. Dentro das quebrada esse discurso distorcido chega e chega com força, justamente porque eles sabem quais são os valores que o povo pobre zela, valores esses, na questão religiosa, empurrado até goela porque é o que chega prometendo mundos e fundos. Infelizmente a manipulação ta aí e atrasa a nós mesmos.


Souto MC
Já Lázaro Opanijé, denuncia o "modismo" anterior ao atual. Para ele, o fato de alguns rappers hoje estarem com um discurso mais reacionário mostra algo que ele sempre desconfiou, que muitos não faziam a menor idéia do que estavam falando quando criticavam o “sistema” em suas letras. Eu sei que existe hoje uma descrença muito grande em mudanças, uma decepção muito grande com o pessoal considerado mais “progressista”, mas, se muitos se bandearam para o lado do inimigo, significa que não estavam entendendo nada desde o começo. Apoiar políticos escrotos, com discurso de ódio é algo que vai completamente contra a liberdade que o rap prega, seja lá qual for o estilo. 

Lázaro Opanijé
Para Thiago Elniño,  toda essa onda não é uma exclusividade do rap, é um reflexo principalmente desse momento de desconforto socio-politico que as pessoas vem sentindo o que gera uma atmosfera de medo muito forte, esse medo faz com que na falta de informação para entender a conjuntura, as pessoas busquem quem historicamente se acostumaram a deixar que pensem para elas, e aí encontram a mídia, que posiciona ali quem esta a favor dos interesses do capital, da elite, e como reflexo a população reproduz o comportamento daqueles que a mídia transformou em referências, nada novo abaixo da linha do Equador.
Quanto ao rap, se esperava que fosse formado por um público politizado e informado e durante determinado período eu ate acredito que foi, mas com a popularização, ele se aproximou muito do mercado do entretenimento trazendo muita gente mais preocupado com propostas esteticamente interessantes mas vazias de informação que proponham uma autonomia do pensar, e aí temos um público tão grande quanto ignorante, que abraça a ideia que grita mais alto, e apoiada pelo capital, hoje a ideia que grita mais alto é a ideia torta. 

Thiago Elniño
Pensando em tudo isso, como se levantar de forma efetiva contra esse tipo de discurso no Hip Hop?

Para Jair Cortecertu, a saída é mostrarmos artistas e militantes que nos representem de forma efetiva, combinada e compartilhada. Investindo grana ou na brodagem, mas temos que começar já! Essa porra já demorou demais! De que adianta compartilhar a parada do Douglas e de outros artistas que estão tocando um foda-se para as questões progressistas, antirracistas e que colocam o cristianismo e a heteronormatividade como padrão de vida para todos? O que gerou mais debate entre os nossos? Os discos novos do Omnira e do Gegê, do Fabriccio, Crônica Mendes, entre outros, não estão sendo debatidos por tudo que combatem e vão ao encontro do que acreditamos. Os artistas têm responsabilidade e precisam tomar atitude? Sim, acredito que sim (mesmo sabendo que não são obrigados), mas as produtoras, assessorias de imprensa, e blogueiros, entre muitos nesse grande sistema de colaboração criado no hip hop, também precisam destacar os grupos que respeitam nossa ancestralidade.

Para Lucas D'Ogum, a melhor forma é a troca de informação convertida em ações que busquem resolver o problema em sua raiz. Mas é tudo muito difícil e delicado, tem pessoas  que tem que cultuar sua fé nas escondidas porque se não corre o risco de morrer sem aviso prévio, é tudo muito complexo. Por isso eu acredito na informação da nossa história sendo contado através das bocas das pessoas de santo, seja no Hip Hop ou em qualquer outro meio. A palavra é espada e abre caminho, é no que me apego e acredito.

Souto MC alerta que a informação é necessária, e que determinadas discussões precisam sair da porta da faculdade e ir pra onde de fato precisa. E ela não está falando de chegar com o livro debaixo do braço e esfregar na cara das pessoas, não é isso. É pegar esses textões de Facebook que parecem ser tão explicativos, levar lá e debater. O discurso moralista tem tomado força nas quebrada porque tem quem vai lá discursar.

Lázaro Opanijé acredita que a afirmação e a valorização sempre vão ser armas para qualquer tipo de preconceito. Mas nesses casos mais recentes, temos que ir além. As grandes “Franquias Evangélicas” vêm se infiltrando nos 3 poderes há tempos e estão trabalhando para que a legislação no Brasil penda para o lado deles sempre. E se não prestarmos mais atenção nisso, vamos ser surpreendidos com a polícia novamente invadindo os terreiros e prendendo os sacerdotes.

Por fim, Thiago Elniño diz que ficar vivo é importante, já que é bem difícil conseguir isso sendo preto e pobre rs. E que durante esse processo de ficar vivo, lutar com as armas que pode para manter sua dignidade e a dignidade do seu povo. Se tivermos informação você sabe que dignidade passa pelo acesso a mesma, então tu passa a ter a função macro de acessibilizar essa informação aos seus da melhor forma possível, seja se posicionando nas redes, seja criando obras artisticas, seja em conversas cotidianas, seja onde for, e é equilibrar a carga que isso traz para a sua vida, pois quando você tenta tirar o prato da mesa do sistema ele devolve agressivamente fazendo da sua fome um standart a ser exibido em praça publica como forma de exemplo a não ser seguido! É luta diária! Do micro pro macro! De dentro para fora!

O Noticiário Periferico repudia todo e qualquer ato racista. Esperamos ter trazido visões importantes de quem vivencia a religião e encontra no Hip Hop a forma de resistência.

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