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#ReferenciAna - sem meias palavras, Jota Ghetto chega com sua Missiva à Casa Grande!



Do rap da formiga no quintal de casa em São Carlos, interior de São Paulo, a voz forte que ecoa nas ruas paulistanas, Julio Cezar Ghetto dominador de palácio, fazendo rap a muito mais de 5 mil dias, fazendo o coração de mais de 5 mil filhas bater, lança mais uma pedrada sonora, com endereço e muita coisa pra falar. 



Jota Ghetto - foto: Laboratório Fantasma


Saiba mais sobre Jota Ghetto aqui, e confira outras aparições dele aqui no Noticiário Periférico. Siga a página oficial do artista e o canal oficial no Youtube.

Gravado por Lincoln Rossi no estúdio Correra Records em São Carlos, o som Missiva à Casa Grande não é resposta pra nada, mas uma mensagem necessária, com endereço e destinatário certo. Se liga nas minhas reflexões sobre o som, e ouça o som abaixo.  

Essa semana, assim como toda semana, assim como todo ano, assim como toda década, o racismo se fez presente no cotidiano das pessoas. Seja em comentários de youtubers, em torcedores sendo chamados de macacosem crianças tendo o cabelo alisado contra a vontadematérias de portais com manchete racista e sexista, seja na morte do menino Marcos Vinícius de apenas 14 anos no Rio, e de tantos outros pretos mortos, o racismo à brasileira gritou forte, mas pra algumas pessoas ainda foi surpresa. Pra ajudar com que a Casa Grande, representação do local de morada, de concentração de senhores de engenho, colonizadores, racistas, entenda a mensagem de forma mais didática e não se faça de sonsa quando denunciarem casos racistas em 2018, Jota Ghetto envia uma missiva, de forma objetiva e direta. 

Foto por Birao Ramin

O som inicia com a contextualização da carta, fazendo uma comparação de como era a vida do negro brasileiro no período das casas grandes, no Brasil colônia, e como é hoje. Já foi mais difícil, já foi mais suplício, muito mais sacrifício, não deixar que seus projéteis me causassem orifícios, e conseguir que dois ou três não fossem pro sacrifício Suplícios, são castigos corporais, Jota faz a comparação, que antes era mais difícil, por cona das violências corporais, e da falta de possibilidade de sair daquela situação vivo, hoje, os castigos foram substituídos por balas (projéteis), e embora um plano genocida em curso, conseguimos que alguns de nós continuemos vivos. 



Mas cada menosprezo é chibata que arde, liberdade pro meu povo eu quero em level hard, aqui ele evidencia a sequência de analogias que fará no restante do som, com a a história do negro no Brasil. Desejar a liberdade em level hard, é desejar liberdade real, 130 anos depois da conquista da liberdade da escravidão, continuamos sendo perseguidos, menosprezados, submetidos a trabalhos exaustivos e mal pagos, mortos e com justiça seletiva, entre outras coisas. Também é possível entender, que não é a liberdade proposta pela casa grande que queremos, é justamente a que é difícil pra ela aceitar, a liberdade de rever privilégios, reparações históricas causadas por sistemas que a casa grande se aproveitou durante mais de 350 anos de história brasileira. Essa liberdade é hard se ter, é difícil. 


Nelson Mandela. Foto: Internet.


Viva a favela, perdão Mandela, sou até pacífico, mas se acusar doméstica foda-se e ja era. 
Mandela foi um dos grandes homens de nosso tempo, e tornou-se líder da luta pacífica que levou ao fim do Apartheid, sistema opressivo e iníquo que vingou na Africa do Sul.  Jota Ghetto contrapõe a situação de ser pacífico, mas ter situações que é impossível ser. Numa pesquisa básica utilize as palavras "patroa/patrão acusa doméstica" e vejam o tanto de notícias de patrões acusando de roubo empregadas domésticas, em sua maioria mulheres negras. Esse trecho dialoga com o próximo, que ele retoma a questão da casa grande, Caras bonitinhas, espíritos de sinhás, continuam com fetiches de nos dar nas cozinhas, e seus irmãos nos acusar de roubo, reciclando pros meus irmãos calabouços, os irmãos que acusam de roubo, os negros e recriam calabouços, se referindo ao sistema carcerário abarrotado de corpo preto, e na maioria das vezes sem sequer ter direito a julgamento. As caras bonitinhas que tem fetiche de dar na cozinha, remete a questão de mulheres brancas que não questionam seus privilégios, hipersexualizarem homens negros. Podemos também usar o exemplo do que aconteceu com as MC's Lívia Cruz e Bárbara Sweet no início desse ano, associando os MC's pretos a corpos sexuais e ao mesmo tempo a criminalidade. 

Rafael Braga. Fonte: UOL.

Seus laboratórios criam pragas, pra que se viciem e prendam Rafaeis Braga. Rafael Braga, é um jovem negro, pobre, criminalizado e preso. Que até junho de 2013 trabalhava catando material para reciclagem nas ruas do Centro do Rio de Janeiro,foi detido quando chegava a um casarão abandonado, onde por vezes dormia. Rafael foi preso novamente e condenado há 11 anos de prisão, por tráfico e associação tráfico, por portar em um flagrante forjado de 0,6 gramas de Maconha e 9,6 gramas de Cocaína. Além dele mencionar de forma subjetiva a seletividade da justiça, que ignora jovens brancos de classe alta que consomem drogas aos montes e inclusive são os donos dos grandes centros distribuidores de drogas, como por exemplo os helicópteros do Aécio Neves cheios de cocaína, Jota Ghetto traz a tona a questão da história das substâncias como a cocaína, e o crack, que tem desde seu surgimento, uma dimensão político-social de extermínio de não-brancos, mascarada pela chamada "guerra às drogas".  A ideologia de guerra às drogas, propostas por Richard Nixon nos EUA, e adotada ao redor do mundo, em questão de pouco tempo, começou a tratar vendedores de plantas e compostos químicos como terroristas em ameaça à segurança e à saúde pública. Juntamente com as substâncias, foram também enquadrados seus portadores e consumidores, aumentando exponencialmente a lotação dos presídios: só nos Estados Unidos, a população carcerária aumentaria mais de 140% só nos primeiros 10 anos de aplicação da política.




Seus pais me dizem não há vaga. O vídeo acima dá forma aos "pais que dizem não ter vaga", o racismo institucional foi definido pelos ativistas integrantes do grupo Panteras Negras, Stokely Carmichael e Charles Hamilton em 1967, para especificar como se manifesta o racismo nas estruturas de organização da sociedade e nas instituições, o racismo empresarial pode ser entendido como parte desse esquema que impede negros e negras de acessarem espaços de trabalho.  





Tão bagunçando meu terreiro, não entendo a Casa Grande achar que o quilombo é rave meu parceiro. As imagens das manchetes acima são auto explicativas, na dúvida, cliquem nelas e as matérias estão na íntegra.

Nós somos reis meu parceiro, discordo que o camburão seja um navio negreiro. Ele é o barco de Hades com os meus olhos sem moedas, é o nosso Bentley pro inferno, essa que é a merda. Negreiro é o busão que só te leva pra trampar

nunca pra passear. De sábados e domingo fique na sua senzala. Músicas do O Rappa, Realidade Cruel, e outros, fizeram a analogia do camburão de polícia ser o novo navio negreiro, por transportar negros. Na mitologia grega, o barco de Hades, deus do mundo inferior e dos mortos, carrega as almas dos recém-mortos sobre as águas do rio Estige e Aqueronte,  para pagá-lo pelo trajeto, colocava-se uma moeda sobre os cadáveres. Os Bentleys, são carros de luxo, geralmente associados a veículos oficiais de políticos. Jota associa o camburão ao barco, porque os negros ali tem suas mortes, seja de imediato, ou seja no caminho pro inferno no sistema carcerário, ou pós saída do mesmo. Fato também denunciado num verso que aparecerá mais a frente, Sei quanta tinta preta tá colorindo cela.



Eu sei da cara dos soldados que marcaram minha cara, eu sei a cara dos racistas que riram na minha cara. Sei o nome e a data de quem roubou meu jazz, o carro a placa e a casa desses infiéis. Segundo o documento As raízes do Jazz, "Quando se fala nas origens do Jazz o cenário que se depara é obscuro e um pouco incerto. Sabe-se que os elementos que influenciaram o seu nascimento foram trazidos da África pelos escravos, que intervieram de forma significativa ao nível cultural, vindo a criar um novo modo de comunicação e expressão de sentimentos.Estamos falando de um ritmo popular de origem negra e escrava e que se desenvolveram basicamente no final do século XIX.  O início do jazz e do blues, remete a ao período histórico e social, anos posteriores à problemática inserção do negro na sociedade de classes. É importante ressaltar que o fim da escravidão fez nascer um novo nicho de mercado no universo do entretenimento, visto que os negros, agora na condição de assalariados, passavam a ter poder aquisitivo para consumir. Em outras palavras, o negro estava livre para fazer e consumir o seu próprio entretenimento. Toda essa história de cultura, é suprimida pelo embraquecimento, não só do jazz, mas de outros elementos culturais, que sequer são colocados na história negra. E não esquecemos, não vamos deixar de pontuar sempre que são elementos culturais negros, e que devem ser reconhecidos assim.

Podendo acordar tarde com papaicard, loucos de bacardi terça-feira a tarde, nos chamam de neguinho tendo quarenta. Ce sabe quem tem md? Isso nos violenta. Fazendo uma crítica ao modo de vida da playbozada herdeira da casa grande, que se referem a homens negros como neguinho, criando uma intimidade que só eles enxergam, pra poder pedir mais fácil pelas drogas que eles procuram e associam o homem negro a esse meio de conseguir. 

Orô não é festa, vaza, filha da puta, não puxe a peça pra minha raça, filho da puta! Orô é uma divindade masculina que representa a ancestralidade dos homens, é considerado como o portal para a ressurreição. É um dos cultos mais secretos dos yorubá, mais uma vez Jota pontua a questão do respeito as matrizes africanas religiosas, tratadas como banalidades e modismo pela Casa Grande. NÃO PUXE A PEÇA PRA MINHA RAÇA, FILHA DA PUTA. Parem de nos matar! Parem de matar nossos meninos ainda dentro da barriga das mães, no caminho da escola, na juventude! PAREM, FILHOS DA PUTA!

Respeite quem deixou de dar o peito pro próprio filho, pra que o seu crescesse com saúde até pular num trilho. Achando que podia zoar de subalterno o dono preto do bar. Esse verso me trouxe várias interpretações, mas a principal eu acho, é a questão das amas-de-leite, que eram mulheres negras ou indígenas, que amamentavam os filhos das sinhás. Hoje, isso se configura nas mulheres que deixam seus filhos na periferia, para ir trabalhar nas casas grandes modernas. E na sequência, entendi que ele quis colocar atitudes tomadas pelos "jovens brancos de classe média inconsequentes" que jamais são responsabilizados por suas atitudes, onde se criam Thors Batistas ou Brenos Borges.

Eu quis saber e olhei pra trás, cê quis viver e olhou pra frente. Tá osso achar que vai me avaliar pelos dente. Aqui ele fundamenta o contexto total da música. Se olhar como negro no Brasil hoje, precisa estar atrelado a história, ao passado, pra que possamos reconhecer o racismo e os obstáculos ligados a ele no nosso processo histórico que reflete em nós até hoje. Quem quer viver, olha pra frente, no sentido de mais uma vez não reconhecer seus privilégios na sociedade, deixar pra trás o que aconteceu na escravidão, porque afinal, ela já foi abolida, por pasmem, uma mulher branca. Seu café caro foi meu pé rachado, Sua roupa cara? algodão. Olhando mais uma vez pro passado, ele menciona os trabalhos que eram colocados os negros no período escravocrata, e associa ao que os privilegiados usufruem hoje em dia, e esquecem de onde estão fundamentados esses privilégios.


Não sou vilão porque eu quis, você é cuzão porque quer. Não ser vilão porque quer, tem ligação com o verso anterior, de olhar pra trás, descobrir na história de onde vem todas as mazelas que nos atingem hoje em dia enquanto corpos pretos. Seja no estouro ou sem ouro, sou preto onde eu tiver.  Achei interessante esse verso, porque muitas vezes tentam deslegitimar racismo com negros e negras que tem uma certa ascensão financeira, como se esses estivessem livres. E o verso seguinte, É natural pucê frequentemente, criticar minhas correntes, mas se for algema ce fica contente, acredito ser essencial aos dias de hoje. SEMPRE que um negro ou negra começa a ganhar dinheiro, são de todas as formas acusados ou criminalizados por ganharem dinheiro, vide Emicida, Racionais e outros negros e negras que são acusados de falhas morais por saírem do veneno. 




Ao melhor estilo Django, Não nasci pra te servir, eu vim pra virar a mesa! finaliza a mensagem que Jota Ghetto tinha pra passar.


Lembrando mais uma vez que essas são piras pessoais minhas, e que pode não ter uma vírgula a ver com o que o autor quis dizer.

Qualquer duvida ou mal entendido me chamem que a gente troca uma idéia.

Deixem sugestões para os próximos #ReferenciAna, como o Jota diz, VOLTA PRA RUA RAP e até mais!

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