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Artigo | Skate x Hip Hop: Culturas marginalizadas em diálogo




Muitas coisas contribuem para a pulverização do Hip Hop no mundo, e nem sempre só o que são considerados seus elementos essenciais dão conta de atingir grupos específicos. Na real, se formos pensar no "underground ruestre", pra grande maioria das pessoas o Hip Hop e o Skate sempre vão ser referenciais. Logo, não podemos desconsiderar a aproximação dessas duas culturas. Sim, vou considerar aqui o skate no macro, como cultura, que apresenta com o esporte, músicas, modos de vestir, expressões de arte, o próprio esporte em si, entre outras questões.

O trecho do portal Skatecide representa bem sobre essa aproximação: "Os dois irmãos de uma mãe diferente - é assim que você pode explicar a relação entre a cultura hip hop e a cultura do skate. Embora esses dois não compartilhem sempre o mesmo cenário, a filosofia por trás deles é a mesma - é a luta constante entre expressão artística individual, credibilidade e autenticidade em um ambiente social rígido e pouco favorável".

Na real, desde que me lembro, nas minhas representações de cultura de rua, Skate e Hip Hop sempre estão presentes, mas o que me despertou a curiosidade de pesquisar mais sobre essa aproximação cultural foi o verso do som Bem Boombap (2018), do MC Matéria Prima, "Os vídeo de skate tinha várias tracks, e neles, eu conheci Beatnuts, Craig Mack". E a partir daí comecei a pensar que são vários os artistas que mencionam o skate em seus sons, e vários os skatistas que utilizam rap como trilha sonora de rolê. 


Podemos traçar vários paralelos entre alguns pontos da história de ambos espaços culturais, mas a mais importante pra mim, é a relação entre o underground e o mainstream. Sobre como parece que sempre tem um mecanismo que pega superficialidades de culturas urbanas e diluem isso como se diluíssem 1 grama de história em bilhões de litros de exposição. Pra conversar mais sobre isso, precisamos falar um pouco sobre alguns momentos da história do Skate.

Thrasher Magazine. Disponível em: Skate Deluxe

O skate surgiu nas ruas da Califórnia, na década de 50, quando alguns surfistas tiveram a ideia de experimentar a sensação de surfar ondas nas ruas, e por isso eram chamados de “surfistas do asfalto”. Mas assim como muitas coisas no mundo, o skate teve início em ideias simultâneas, então acaba sendo uma criação coletiva e espontânea. 

No final dos anos 1950, o skate teve seu primeiro pico. Durante o pós-guerra, a economia dos Estados Unidos cresceu e isso também afetou a indústria de brinquedos. Naquela época, a indústria de brinquedos conheceu a prancha com rodas, e em 1959, Roller Derby lançou o primeiro skate oficial. Assim, as características de manuseio foram melhoradas. Por isso também, os skatistas puderam desenvolver novos truques e manobras. 

Bem como acontece com o Hip Hop, principalmente com o Rap, nós temos uma iniciativa do mercado para monetizar o lazer popular. Entre os anos de 1959 e 1965, o skate tornou-se cada vez mais popular nos Estados Unidos, principalmente os estados nas costas leste e oeste e, devido ao desenvolvimento industrial, o status do skate mudou de brinquedo para equipamento esportivo. Então, em 1965, a popularidade do skate despencou de repente. A maioria das pessoas presumia que o skate era uma moda passageira, as empresas de skate faliram, e as pessoas que queriam andar de skate tiveram que fazer seus próprios skates do zero.

Não podemos esquecer, que justamente essa época, os Estados Unidos atravessavam o processo de organização e movimento de pessoas negras pelos direitos civis. E paralelo a isso, a mídia destacava jovens brancos deslizando pelas ruas com seus skates, o que fomentou a ideia de que o skate era um esporte de pessoas brancas. 

Em entrevista ao The Huffington Post, o skatista profissional Ray Barbee, comenta que experimentou o início da mudança cultural no acesso e prática do esporte no final dos anos 80. Ele também disse que foi a falta de acesso, principalmente devido à desigualdade econômica, que manteve o skate como um esporte racialmente homogêneo e branco por décadas. Embora skatistas negros como Barbee, tenham ganhado mais exposição desde os anos 80, e embora com certeza jovens negros praticassem o esporte nas ruas das periferias antes dos anos 80, o skate começou como uma atividade urbana branca. O esporte foi iniciado por surfistas, e segundo Barbee, isso já tem uma carga histórica importante, já que o surf era um esporte economicamente limitado. As despesas necessárias para morar próximo ou viajar para cidades costeiras e comprar pranchas de surfe e outros equipamentos caros tornaram o esporte menos inclusivo para pessoas negras. 

O skatista Ray Barbee. Foto: Hypebeast

Houveram alguns saltos na evolução do skate como equipamento e cultura. Todos os skatistas tornaram a imagem do skate ainda mais ousada e a era Reagan e Clinton viu o skate dar essa guinada anti-ordem pelo qual o esporte é conhecido. A era do crack, a pobreza, o encarceramento em massa e a terceirização de empregos deixaram a juventude americana frustrada. Com a ascensão do punk, gangsta rap e música grunge nas décadas de 1980 e 1990, o skate tornou-se um reflexo dos valores revolucionários da época. A cultura não era mais associada aos surfistas louros e saudáveis ​​da Costa Oeste, o skate agora era um símbolo da anarquia urbana. 

Ao longo dos anos 80, os skatistas começaram a construir suas próprias rampas e a andar em tudo o que pudessem encontrar. O skate começou a ser mais um movimento underground, e transformaram o mundo inteiro em seu skatepark. E essa mudança para o underground, acabou criando uma espécie de reorganização na imagem e vivência do esporte. No início dos anos 90, o skate havia mudado quase inteiramente para um esporte de rua. Sua popularidade cresceu e diminuiu, e durante uma ascensão nos anos 90, veio com uma atitude mais crua, nervosa e perigosa. Isso coincide com o aumento da música punk, o avanço do Hip Hop nas periferias americanas, um clima geral de descontentamento. A imagem do pobre e raivoso skatista veio à tona em voz alta e orgulhosa. Curiosamente, isso só ajudou a aumentar a popularidade do skate, e também ajudou na presença da diversidade cada vez mais nos coletivos. Ainda de acordo com a entrevista de Ray Barbee, o skate na rua no início dos anos 90 provocou uma mudança radical que abriu as comportas da diversidade. O skate saiu dos quintais e literalmente nas ruas enquanto os skatistas percebiam que não era preciso uma rampa para andar de skate ou virar profissional - tudo o que você precisava era de cimento.

Antes de continuar, precisamos voltar pra 1981, ano em que foi fundada a “Thrasher Magazine” e desde então, esta revista representa o skate de rua, a cena central, o punk rock e o slogan de estilo de vida “Skate And Destroy”. Ao lado dessa revista, algumas outras menores foram fundadas e mais lojas de skate foram abertas. A popularidade do skate continuou a crescer. Uma disseminação global de novos truques e manobras de skate nunca vistas permitiu os primeiros vídeos de skate em VHS. A videografia tem se tornado cada vez mais importante para a cena. E grande parte desses vídeos, utiliza sons de rap, quase sempre underground, que são até produzidos ali entre o coletivo. 

Em contrapartida, nas periferias americanas, a natureza consumista do skate desaparecia; as crianças não usavam camisetas Thrasher ou outras marcas de logotipo. Ao invés disso, é outra coisa que os atraem, a reivindicação do espaço público. O consumismo capitalista sem dúvida mudou o tom anti-ordem do skate no novo milênio, assim como também faz com o Hip Hop. Mas, ambos, a prática e vivência de ambos, ainda é um ato radical, principalmente para crianças negras.

A indústria se apropriou mais uma vez do lazer e se tornou mais popular com os primeiros X-Games em 1995 ,  o primeiro Tony Hawk pro skatista em 1999 e o desenho animado de esportes radicais Rocket Power ,  que popularizaram o esporte em comunidades negras onde o acesso poderia ser limitado. Na última década, skateparks ressurgiram como instalações em praças públicas, como campos de futebol da cidade ou quadras de atletismo. A Tony Hawk Foundation tem sido fundamental na construção desses estabelecimentos  onde os jovens podem ter um lugar para patinar com segurança e legalmente de graça, especialmente em bairros de baixa renda e marginalizados. Se pensarmos no lado das políticas públicas e não públicas, o Hip Hop também vem sendo alternativa na construção de atividades e propostas culturais que atenda a juventude.

Desde 2000, a atenção da mídia e de produtos como videogames de skate, skates infantis e a comercialização tornaram o skate cada vez mais popular. Com mais dinheiro sendo colocado no skate, há mais skateparks, melhores skates e mais empresas de skate para continuar inovando e inventando coisas novas.es ou melhorar seu desempenho. Curiosamente, desde os últimos anos principalmente, o Hip Hop no Brasil tem se tornado bem mais alinhado com as grandes mídias, e se tornando cada vez mais popular.

Diante de tudo isso, creio que fica o paralelo importante de saber que culturas em movimento, como são o Skate e o Hip Hop, não são culturas estáticas. Elas acompanham a sociedade e seus momentos históricos, porém, cabe a nós, que consumimos, construímos e levamos as culturas pra lugares diferentes, que façamos a diferenciação entre o que é mainstream, o que é consumido no geral, e o que é underground. Existe muita coisa legal e escondida nas histórias de culturas marginalizadas, principalmente porque sempre foi difícil ter história escrita, e quando essa história se escreveu acabou não sendo contada por quem constrói diariamente esses espaços. 

Seguimos vivos e fortes, Skate e Hip Hop!


Fontes:
  1. https://www.vibe.com/2016/10/the-millennial-resurgence-of-black-skateboarders
  2. https://www.liveabout.com/brief-history-of-skateboarding-3002042
  3. https://www.huffpost.com/entry/how-skateboarding-became-more-than-a-white-dudes-sport_n_55fb8f4ee4b0fde8b0cdc827
  4. https://www.revistarap.com.br/no-dia-mundial-do-skate-entenda-melhor-sobre-essa-cultura/
  5. http://skatecide.com/index.php/2017/03/18/the-merging-of-hip-hop-culture-with-skating-culture/
  6. https://www.vice.com/pt_br/article/qvmee7/como-djs-escolhem-as-musicas-dos-campeonatos-de-skate-no-brasil
  7. https://www.vice.com/pt_br/article/6vdaga/album-de-rappers-11-rael-dbs-ogi-slim-rimografia-dj-cia
  8. https://www1.folha.uol.com.br/fsp/1994/5/07/ilustrada/7.html

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