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Juiz que soltou jovem negro preso por engano se inspira em Djonga e Baco Exu do Blues


Texto escrito por Henrique Oliveira

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André Luiz Nicolitt é magistrado há 19 anos, sendo um dos poucos juízes negros do Brasil, a sua recente decisão que ganhou repercussão nacional envolveu o habeas corpus concedido ao músico Luis Carlos Justino, que havia sido preso no Rio de Janeiro, após ser abordado por policiais militares e ser levado delegacia, onde ficou constatado que havia um mandado de prisão preventiva em aberto por roubo a mão armada ocorrido em 2017.

Luis Carlos Justino acabou preso ao ser reconhecido através de uma fotografia como um dos homens envolvidos no assalto, sendo que na mesma data do ocorrido, Luis Carlos Justino estava se apresentando com a Orquestra de Cordas da Grota, em que é violoncelista.

Em sua decisão, o juiz André Luiz Nicolitt questionou o fato de Luis Carlos Justino ser réu primário, de bons antecedentes, sem qualquer passagem pela polícia, mas está integrando um álbum de fotografias como suspeito.“Um jovem negro, violoncelista, que nunca teve passagem pela polícia, inspiraria desconfiança para constar num álbum?”

De origem pobre, André Luiz Nicolitt foi o primeiro membro da sua família a concluir os estudos, se tornando mestre em Direito, pela Universidade Estadual do Rio de Janeiro, e doutor em Direito na Universidade Católica Portuguesa, de Portugal. Além de juiz, Nicolitt também é professor de Direito Penal na Universidade Federal Fluminense e do Programa de Pós Graduação da Faculdade de Guanambi.

Nas entrevistas concedidas pelo juiz Nicolitt, ficou explícito a influência que o Rap têm na conformação da sua consciência política e racial enquanto homem negro. Na entrevista com o site Ponte Jornalismo, ao ser perguntado sobre o reconhecimento feito por fotografia de Luis Carlos Justino, o juiz Nicolitt respondeu citando como referência o rapper baiano Baco Exu do Blues, e a música “bluesman”, para dizer que no pós – abolição da escravidão a pele negra foi construída “como a pele do crime”. Segundo Nicolitt “Foi construído a imagem do negro como uma imagem do crime. A pele negra é a pele do crime, como diz o [Baco] Exu do Blues em seu rap. É isso que se quer. Como isso foi construído? Foi construído ao longo de muitos séculos, principalmente nas tensões dos debates abolicionistas. Com o fim [do debate] da abolição da escravatura essa imagem do negro, violento e estuprador, foi construída no mundo inteiro. No cinema americano temos o mito do negro estuprador, que aparece logo após a abolição. Cria-se esse imaginário do negro como violento. Para destruir isso é muito difícil porque é algo construído há muito tempo. O mais contraditório dessa história é que as vidas mais vulneráveis, mais matáveis são as vidas negras, são os corpos negros.” 

Na entrevista ao portal UOL, Nicolitt disse que não costuma tomar decisões genéricas e que olha o processo como uma das coisas mais importantes a serem feitas, porque colocar alguém no cárcere é algo muito grave, pois, não se pode esquecer que um processo criminal é feito com pessoas dentro. O juiz também falou sobre mesmo tendo um cargo vitalício, que garante uma ótima remuneração e poder institucional, não o deixa livre do racismo, “eu não consigo ser visto como juiz o tempo todo.” Para ilustrar a situação, conta que, certa vez, caminhava na orla com o genro, outro homem negro. Quando viu uma dupla de policiais atravessar a rua e caminhar em sua direção, sentiu um forte receio. Ao ver os agentes passarem por eles, os dois se entreolharam: o medo era comum. 

“Será que homens brancos têm o mesmo medo quando andam na praia? Para mim, isso não muda nem quando você é juiz. Respeito não deveria depender da sua posição intelectual, social, política e de poder. Deveria ser inerente a qualquer ser humano”

Ao comentar sobre a baixa representatividade de negros no poder judiciário, sendo apenas 2% dos juízes brasileiros, de acordo com Conselho Nacional de Justiça, e a importância de pessoas negras em lugares de destaque, Nicolitt citou um trecho da música “falcão”, do rapper mineiro Djonga: “Olho corpos negros no chão, me sinto olhando o espelho / Corpos negros no trono, me sinto olhando o espelho.” Para Nicolitt, o Rap mantém vivo o legado da crítica e da resistência.



Texto escrito por Henrique Oliveira

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