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Resenha | Afrofuturista e distópica, é assim que Aganju nos entrega "Sociedade do Cansaço"



Por: Mariana Ferreira

A supremacia brankkka trabalha para o aperfeiçoamento das suas tecnologias de domínio, morte e epistemicídio. 

A manutenção do poder se desenvolve com criação de códigos que fluem pela superfície do planeta criando uma verdade absoluta, uma história única e uma hegemonia psicológica e cultural. É nesse contexto que tecnologias de comunicação e os seus algoritmos - cada dia mais sofisticados - têm desempenhado um papel central na mediação das relações sociais na internet e fora dela. A tendência notável nas redes sociais é uma padronização que perpassa a forma de se comunicar e se expande para o comportamento, estética, discurso e ideais de consumo dos usuários.


Como pensar a nossa colocação enquanto corpos e mentes pretas dentro de um sistema construído e totalmente monitorado justamente por aqueles que sempre dispuseram das formas mais requintadas de nos eliminar?

Aganju se declara Uh Anti-Influencer. Inserido na insanidade intensificada pela pandemia de COVID-19, enquanto o mundo todo é condicionado a migrar para formas virtuais de ser e existir, produzindo e consumindo lives, encontro virtuais, vídeos covers, tik tok e challenges. Uh Anti-Influencer incita os pensamentos e práticas contra algoritmo.


No dia 3 de jul. de 2020 o MC Aganju lançou a Demotape Sociedade do Cansaço nas principais plataformas de streaming. Com quatro faixas e aproximadamente 12 minutos de duração, a obra apresenta uma perspectiva distópica e afrofuturista, tanto na capa, quanto em seu conteúdo. Dentro da atmosfera produtiva das áreas 075 (interior baiano) a demotape foi gravada por Quadra Sul, no Ibori Studio entre janeiro e fevereiro de 2020 em Cachoeira – BA, Mix/Master: MKlokonsciente, beats, composição e direção de arte do Aganju e arte gráfica por Daltro Ortlad.


Rompendo os vícios programados pela indústria musical, a obra se destaca por sua profundidade desconcertante, seus conflitos psicossociais e sua lírica corrosiva.

O diálogo desenvolvido nessa produção é um convite a desenvolver o terceiro olho. Ouvir a Demotape Sociedade do Cansaço é ver através do Olho de Hórus do Ciborgue Preto, provoca a sensação de queda livre por entre experiências sensoriais que nos dilacera. Seu conceito real underground navega nos beats acendendo reflexões sobre consumismo, neocolonização e processos de alienação, conflitos psicológicos, genocídio do povo preto, paternidade preta, afetividade e as encruzilhadas que fazem jovens homens pretos sangrar.


#1 - Lacoste, Nike, iPhone - Aganju Uh Anti-Influencer

Em meio à mediocridade que se encontra a cena mainstream, com ascensão do Trap e do RAP que se dedica a promover Kamikaze e bens de consumo, a faixa  Lacoste, Nike, iPhone, denuncia e elucida que a criação dessas narrativas - assim como o algoritmo- são uma série armadilhas criadas pela supremacia branca pra manter o povo em processos de consumo alienado e posturas autodestrutivas.


#2 - Apenas Mais Uma Crise de Ansiedade - Aganju Uh Anti-Influencer

“a gente não tem dinheiro pra pagar terapia, mano então vai ser a música mermo”

As linhas dessa faixa costuram e escancaram as contradições e dualidades de ser habitante de um corpo melaninado, sobrecarregado de estereótipos e recortes, e, conjuntamente, demonstra a insurgência do lugar marginalizado irrigado por conflitos psicossociológicos que potencializam líricam o ciborgue preto. 


#3 - Sociedade do Cansaço - Aganju Uh Anti-Influencer

A track que dá nome à Demotape explicita os vícios táteis desenvolvidos através dos algoritmos, relacionando-os as substâncias psicoativas. A faixa frisa a falsa sensação de liberdade construída no poder de compra de dispositivos tecnológicos, e além disso, destaca que em uma sociedade criada e sustentada pelo capitalismo retroalimentado pelo racismo, o algoritmo é uma tecnologia de guerra para maior controle.


#4 - Rimas Apocalípticas - Aganju Uh Anti-Influencer part. Jhonny Mc

A última faixa é marcada pela distopia. Aganju Uh Anti-Influencer e Jhonny Mc expõem as rupturas que compõem a existência de jovens homens pretos. O genocídio do povo preto é relatado pela ótica de quem se coloca no enfrentamento à carnificina. Além da denúncia, as rimas são carregadas de uma subjetividade marcante, ressaltando que a morte espiritual vem antes da bala, conferindo aos homens pretos a condição de mortos-vivos.

Ouça:

 


Ouça também a playlist RAP 075 | Spotify 




Sobre a escritora:

Mariana Ferreira (@pretamariferreira) é Produtora cultural, movimenta a cultura através de ações comunitárias sendo coordenadora geral do Coletivo Us7monstrinhos. É também artista visual, produz colagens manuais, produz zines de contos e poesias escritas e ilustradas por ela mesmo. É atriz performática de intervenções poéticas-corporais e também é Poeta e Contista de Literatura Marginal.

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