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Analise, referências e nuances da musica "Quanto vale o show..?" do Racionais


moda atual entre os youtubers é a reaction (reação) e analise dos Raps, e digamos que eu vou tentar analisar a musica "Quanto vale o show?", digo tentar porque analisar uma letra do racionais é complicado. 
Lembrando que minha parceira  Ana, tem o quadro #ReferênciAna, no qual ela perfeitamente "dichavou" o AfroCypher dos artistasRhenan Duarte, PeqnoH Robson, Underson Leitty, Daniel Garnet e Rodrigo Buga.  

Bom, na música citada, Mano Brown narra a vivência de um jovem preto no Capão Redondo dos anos 80, ou melhor, ele narra a vida dele que se iguala a de muitos jovens. 
A musica é cheia de referências musicais, de anseios econômicos, problemas sociais e outras fitas. 
Quando a música foi lançada, caíram de pau com críticas em cima do grupo, pois diziam que faltava conteúdoo grande problema do fã do Racionais (me incluo nisso) é expectativa de que o grupo lance musicas iguais as dos anos 90, desconsiderando a inserção do grupo no contexto atual e as novas formas de abordar os assuntos. Disse que me incluo porque sou fã do grupo e quando lançou o som eu achei ruim, porque justamente esperava algo igual, nos mesmos moldes e não um trabalho novo. Quando saiu o CD e ouvi “Quanto vale o show?” em meio as outras musicas, nem me liguei, só percebi o conteúdo e os nuances da musica depois. E agora, quase 3 anos depois da musica ser lançada, eu quero "analisar" e tentar dissecar a letra e contextualizar as referencias citadas na musica. Pra vocês verem como muitas vezes o pré conceito e moldes atribuídos ao Rap nos cega ... 

Começo pelo sample usado na musica "Quanto Vale do Show", que foi tirado  da musica "Bill Conti - Gonna Fly Now "  tema do filme "Rockyo lutador", estrelado pelo Silvester Stalone. 

O sample do refrão "Quanto vale o show" que tem a voz do Silvio Santos, foi retirado do programa "Show de Calouros", programa apresentado pelo dono do SBT  e ficou no ar até 1996.

Não irei falar verso por verso, mas os mais relevantes, por isso é importante é você já ter escutado a musica ou ouvi-la antes de ler. 

Ouça a música:


A musica começa com o Brown dizendo: 

"Primeira coisa que aprendi a fazer Na minha vida foi isso aqui, ó Ah, é isso" 

Brown antes de ser rapper gostava muito de samba, e ele tinha um grupo, tanto que em uma entrevista recentemente para a rádio "Brasil Atual", chamaram o Brown de poeta e ele disse que não era poeta e sim um "Batuqueiro rimador". 


Só eu sei os desertos que cruzei até aqui(Hey! Pode pá)Tá lançada a sorte

Quando eu me liguei na proposta da musica eu fiquei bolado e me perguntando o porque da musica se chamar "Quanto vale o show?" e trocando ideia com amigos de facebook sobre minha impressão e a deles, percebi que o título da musica faz alusão a tudo que o grupo passou, e de quanto vale tudo isto, mas também pode ser em relação a grana. No sentido de hoje chamarem o grupo de "vendido" por estarem pensando mais no lado profissional. Isto é uma característica do grupo e especificamente do Brown, musicas com versos com mais de uma interpretação, uma musica que aponta 2 caminhos. 

O kit era o faroait O quente era o patchouli O pica era o Djavan O hit era o Billy Jean Do rock ao black as mais tops Nos dias de mais sorte ouvia elas no Som Pop

Neste verso o rapper faz citação ao tênis da moda da época "faroit" e ao Patchouli que era um tipo de perfume. 
Djavan nesta época estava bombando nas FMs do brasil, "Billy Jean" nem preciso comentar, pois foi um dos maiores hits de Michael Jackson. E "Som Pop" era um programa musical que passava na TV Cultura aos domingos, apresentado pelo Kid Vinil. 

Muleque magro e fraco invisível na esquina Planejava a chacina da minha mente doente, hein!Sem pai nem parente nem sozinho entre feras Os malandro que era na miséria fizeram mal Meu primo resolve ter revólver Em volta outras revoltas, envolve-se fácil Era guerra com a favela de baixo Sem livro, nem lápis, e o Brasil em colapso

Os versos começam a engrossar nessa parte. Nesse verso, Brown rima sobre uma situação que acontecia e ainda acontece, o fácil acesso a arma e o envolvimento fácil com o ilícito. 
Vemos o Brown falando de si, de como sua mente trabalhava e pensava em fazer fitas erradas, Brown sempre fala que se não fosse o rap talvez nem estivesse vivo. E quantos mais podemos pensar, que se não fosse o rap nem estaria vivo? 
Uma fita que que vemos muito no rio de janeiro hoje, que acontecia em SP também, é a briga de facções. Antes do PCC que hoje comanda o Estado de SP, haviam muitas tretas de facções rivais que muitas vezes eram de ruas diferentes ou bairros diferentes. E o Brown finaliza criticando a falta de incentivo a educação, o que gerava todos esse caos social. 


Aconteceu Já é 86, subi aos 16 ao time principal Via em São Paulo tava mil grau, favela pra carai fi Bar em bar, baile em baile, degrau pós degrauQuanto baixo eu pude ir pobre muito malO preto vê mil chances de morrer, morô?Com roupas ou tênis sim, por que não?Artemis, benzina ou OptalidonTudo pela preza irmão, olha pra mim e digaVale quanto pesa ou não?


Como foi dito acima, na música o Brown faz referências do que estava na moda nos anos 80, nesta parte da música o rapper diz já estar adolescente e curtindo vários rolês. 
Mesmo com todo o perigo que já existia para o jovem negro, o daora era estar bonito, mas como eu disse os versos do brown costumam apontar 2 lados, e o rapper cita  "Artemis, benzina ou Optalidon", que nos anos 80 eram usados como drogas. Com este verso eu entendo que um jovem negro de periferia estava sujeito a tudo isto e ele finaliza fazendo uma pergunta 
"Tudo pela preza irmão, olha pra mim e diga  Vale quanto pesa ou não?" 
Quando ele diz “o preto vê mil chance de morrer", ele fala pelo, crime, pela droga, pelo local onde mora, pelo simples fato de ser preto e várias outras fitas. Brown mistura situações e ações da época 


A César o que é de César primeira impressãoOs muleque tinha pressa manoQue funk louco, que onda é essa mano?E assim, meus parceirinho virou ladrãoÉ que malandro é malandro mesmo, e várias fitaEra Bezerra era o que tava tendo, malandro rifeOutros papo, outras gírias mais outras grifesCristian Dior, Samira, Le Coq SportifGshock eu tive sim, calça com pizza eu fiz

Nesse verso o Brown fala da transição entre a adolescência e a vida adulta, daquele barato do moleque querer rapidamente crescer e ter seus "baguiu", e nessa pressa do corre pelo dinheiro, vários amigos nossos entram para a vida do crime. E em meio a isso o Funk (norte americano) dava suas caras no Brasil. 
Quando ele fala dessa transição ele também cita que as gírias mudaram e as grifes da moda eram outras. 
Vou citar 2 que eu ouvi falar bastante na infância, que eram o tênis Le Coq e o relógio Gshock, qualquer moleque da favela queria o tênis ou o relógio, se possível os 2 hahah. 
Quantos parceiros do Brown não entraram pra correria na busca de ter o artigo da moda? Hoje pode parecer bobagem, mesmo o contexto social não tendo mudado muito. Mas nos anos 80 era pura miséria, barraco de madeira, rua de terra e esgoto a céu aberto, muitos entraram para o crime por estarem passando fome ou por revolta mesmo de querer ter uma vida melhor. 

Brasil é osso, ideia fixa eu tinha, porquePardinho, igual eu assim, era um monte, uma páFui garimpar, cruzei a ponte pra láHey zicaIsso significa que era naquele pique, tocando repique de mão, jowNo auge da Chic Show, nos traje, Curtis Blow era o caraCurtição da massa, era luxo, só viver pra dançarFui ver Sandra Sá, Whodini eu curtiA vitrine Pierre Cardin, Gucci, Fiorucci, Yves St Laurent, Indigo Blue


Essa parte é bem interessante, o verso  começa falando "Pardinho, igual eu assim, era um monte, uma pá Fui garimpar, cruzei a ponte pra lá", creio que está explícito quando o Brown fala "cruzei a ponte pra lá", ele fala que ele resolveu curtir o que a cidade de SP tinha de melhor, referenciando também sua própria música, Dá ponte pra cá.  
Explicando melhor, pra quem mora na região do Capão Redondo e do Jd Ângela, sabe que o Rio Pinheiros divide socialmente essa região. Da ponte da João dias e do Socorro pra frente sentido centro é outra fita, outra visão, prédios e etc. Dessas duas pontes pra trás sentido bairro é periferia, é favela.  
Lembrando que a musica foi escrita no contexto dos anos 80, mesmo com um pequeno avanço deste lado da ponte  com a  chegada de hospitais, terminais de ônibus, metrô, a periferia se expandiu mais pro fundo, e mesmo hoje em dia  a expressão "Da ponte pra cá, o bagulho é diferente" ainda é valida e usuada. 

Com certeza vocês já ouviram a musica "Da ponte pra cá" "Não adianta querer tem ser tem que tá, o mundo é diferente da ponte pra cá". Com esse refrão eu compreendi o que era "apartheid  social. Quando o Brown resolve atravessar a ponte ele começa a curtir os bailes black que tinha no centro de SP, ele cita o famoso baile da  Chick Show que trazia vários artistas da cena black para São Paulo, no qual a Chick Show trouxe o rapper norte americano mais famoso da época, Kurtis Blow, e também  trouxeram o grupo Whodini, ambas as apresentações foram na quadra esportiva do Palmeiras, ali era o "point" negro em SP. 
Artistas como Jorge Ben e Tim Maia se apresentavam e outros da pegada black.  Brown também cita a grande cantora brasileira que na época  era Sandra Sá e não de Sá, e mais uma vez cita marcas famosas da época. 
 Como vocês perceberam em todo fim de verso o rapper cita os anseio econômicos da época, a tal "ostentação" sempre existiu, o preto de favela ou não, gosta de andar bonito, é questão de auto-estima. Sempre taxados de feio e fora do padrão, falo por experiencia própria que só fui ter roupa de "marca" quando comecei a trampar. A adolescência é uma fase cruel, pois se você não usa os pano da moda, você não é descolado, você não tá bonito e etc. E ainda carregava aquele estigma de ser negro, mas nem tão negro assim, dependia da ocasião, dependia de como estava meu cabelo, sestava curto eu tinha "saído da Febem", se estava grande tinha piada por ser "duro". Você se sente fora do padrão que é imposto pra você. 
Eu não vejo essa parte da música como algo ligado a ostentação, mas ligado a auto-estima. taligado.?

Corpo negro semi-nu encontrado no lixão em São Paulo A última a abolir a escravidãoDezembro sangrento SP, mundo cão prometeNuvens e valas, chuvas de balas em 87Quanto vale?Quanto vale o show?


O Brown termina falando do ano de 87 que foi um ano bem sangrento na zona sul de SP. 
Coincidentemente ou não, nasci nesse ano e em dezembro.
Essa musica começa em 83, a ditadura ainda vigorava no pais terminando em 85 e a música em 87. Mas quem é da periferia, sabe que a ditadura na favela dura até hoje, então imaginem apenas 2 anos pós ditadura, a pocia matava mais que tudo. 
Nesse verso então, o som fala sobre o genocídio  negro, o qual os policiais e os “ de pato (matadores anônimos) eram os responsáveis  por matar as pessoasem sua maioria sem ligação nenhuma com o crime, coisa que também não justifica a matança. 
Quando ele fala "a última a abolir a escravidão", Brown esta falando de nosso país, que foi o ultimo país das Américas a parar com o tfico de africanos para o brasil e o último país a abolir o sistema de escravização de negras e negros. 
Dezembro de 87 foi o mês com mais homicídios na região do Capão e Jd Ângela, nos anos 90 essas duas regiões juntas eram as mais violentas da América Latina. Aqui na quebrada que é próximao Ângela dizia-se "que se matava um encomendando o próximo", porque todo dia que você saia de casa alguém tinha morrido. 

O verso final é poesia pura, "Nuvens e valas", a vala citada claro que era onde iria ser enterrado os corpos, mas tem uma "crendice popular" que sempre chovia em enterros, e naquela época  São Paulo era terra da garoa, continuando "chuvas de balas em 87", talvez de proposito o Brown usa  "Nuvens e valas, chuvas de balas em 87"  fazendo alusão a isso que disse acima e ao numero de mortes provocado por armas de fogo.


Texto: Anderson "Hebreu"
Revisão e edição: Ana Rosa

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